Valor Econômico
Roberto Rockmann
Uma das maiores revoluções do setor elétrico está chegando a várias cidades do mundo pelas redes inteligentes de energia elétrica a partir dos medidores bidirecionais. Hoje já são 800 milhões desses aparelhos instalados no mundo, enquanto no Brasil, com pouco mais de 65 milhões de pontos de consumo, a inovação está presente em menos de 5% deles. A Itália já trabalha na troca da segunda geração dos equipamentos e a China instalou mais de 300 milhões. Mais que leitura de consumo e geração, os medidores permitem a gestão eficiente de eletrodomésticos e até o carregamento de carros elétricos ligados à rede.
A CPFL Energia decidiu em março que seu projeto piloto de instalação de medidores inteligentes para baixa tensão será em Jaguariúna (SP). Para que a inovação ganhe escala e outras cidades, será preciso ter incentivos regulatórios. “O reconhecimento na tarifa é dado apenas na revisão periódica, que ocorre a cada quatro ou cinco anos, com uma tecnologia que demanda investimento intensivo em dez anos ou mais. É preciso reconhecer que ela pode acelerar a adoção de carros elétricos ou de microgeração distribuída”, diz Caius Malagoli, diretor de engenharia da CPFL Energia.
A reforma do setor elétrico não trata do tema, mas a Aneel poderá rever a metodologia do custo de capital das concessionárias para as rodadas de revisões periódicas de tarifas da próxima década.
Para o líder empresarial da Macroplan, Gilberto Figueira, o avanço das tecnologias não ocorrerá apenas pela questão tarifária. “As tecnologias que chegam, como as redes inteligentes, são mais caras e uma parte disso terá de ser reconhecido pelo regulador, mas há também ganhos que poderão ser incorporados pelas concessionárias que alcançarão mais eficiência e podem ter menos perdas. Caso houvesse um programa e linhas de financiamento, o avanço tecnológico poderia ser acelerado, o que podemos ver no Brasil é uma transformação mais lenta.”
O consumidor deixará de ser uma figura passiva: com os medidores inteligentes e a instalação de painéis fotovoltaicos, ele ganha novo poder no sistema, se tornando minigerador. Já as concessionárias terão de se adaptar a esse novo mundo em que uma parcela crescente da receita virá do mercado não regulado. O desafio será resolver criar uma regulação que incentive essas tecnologias, mas não onere as tarifas. “A equação se tornaria mais fácil com a redução de tributos, mas a crise fiscal, que deve continuar apertando as contas da União e estados nos próximos quatro anos, dificulta”, destaca Daniel Martins, sócio da consultoria Roland Berger.
Iniciativas de concessionárias começam a ganhar corpo, a maioria baseada nos projetos de Pesquisa & Desenvolvimento da Aneel. Em junho e julho, pesquisadores saíram às ruas de Cataguases, sul de Minas Gerais, para conversar com a população e a prefeitura e iniciar um estudo sobre a implementação do conceito de cidade inteligente no município de 70 mil pessoas. Além de avaliar a possibilidade de instalação de medidores e iluminação pública inteligentes, microgeração distribuída solar, sistemas de armazenamento e mobilidade urbana com bicicletas e veículos elétricos, o projeto, com conclusão prevista para setembro, busca analisar as oportunidades com o avanço da tecnologia.
Cerca de 300 residências de um condomínio de alto padrão próximo à Fortaleza (CE) terão sua estrutura elétrica interna transformada em uma microrrede autônoma capaz de funcionar conectada ou não à rede elétrica da distribuidora. O projeto da Enel, concessionária local, une três principais conceitos tecnológicos: geração distribuída, com a presença de plantas fotovoltaicas e um parque eólico já existentes na região; armazenamento da energia para uso quando necessário; e redes inteligentes, com a automação da rede elétrica, automação de cargas prioritárias das unidades consumidoras do condomínio e softwares de gestão.
As inovações surgem em um cenário de pressão sobre o balanço das empresas, que terão de ser mais eficientes. Nos últimos cinco anos, estudo da Roland Berger com base no balanço de 23 grupos da área apontou que o setor elétrico nacional destruiu R$ 65 bilhões em valor por causa de um conjunto de razões: baixa consolidação em distribuição; a reduzida eficácia dos incentivos por eficiência em especial no setor público; a falta de disciplina financeira e de modelos de gestão de custos e investimentos; a lentidão do setor para modernizar e digitalizar suas operações; a intervenção dos últimos governos que gerou significativas perdas financeiras (MP 579 de 2012) e uma recorrente instabilidade regulatória.
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