Valor Econômico
Martha Funke
Iniciativas de governança, participação cidadã, mobilidade urbana, segurança e iluminação pública, com apoio de parcerias público-privadas (PPPs), reforçam o conceito de cidades inteligentes no país. Os projetos evoluem apesar de desafios como orçamentos em baixa, complexidade regulatória, desarticulação e dificuldade de planejamento de longo prazo frente à troca de governos a cada eleição – que muitas vezes interrompe os programas.
“Ainda não temos cidades que podem ser consideradas inteligentes, mas diversas estão em desenvolvimento”, avalia Paula Faria, diretora do Connected Smart Cities, que avalia as cidades por meio de 70 indicadores públicos distribuídos em 11 eixos temáticos. Uma das barreiras é que necessidades em áreas como educação, saúde, energia ou segurança dependem de regulação e do envolvimento de diferentes esferas governamentais, e mesmo governos locais padecem da fragmentação em secretarias com responsabilidades distintas.
“Em Londres, a Transport for London concentra todas as decisões sobre mobilidade urbana, enquanto em São Paulo, por exemplo, elas se distribuem entre SPTrans, CPTM, DSV, CET e Metrô, por exemplo”, compara Elias de Souza, sócio da Deloitte para infraestrutura, governo e serviços públicos.
Outra questão em pauta é o emprego da tecnologia, cuja eficácia está ligada à resiliência, diz Luís Pontes, sócio de governo e serviços públicos da EY. “A cidade do futuro não é a mais conectada, mas a que consegue mirar o cidadão e adaptar sua infraestrutura tecnológica ao longo do tempo para prestação dos serviços”, afirma. Isso pressupõe entender as necessidades dos habitantes e construir camadas, como cabeamento para dados, sensores e serviços, o que começa a ser feito em Cingapura, e não focar apenas iniciativas funcionais, mas estanques.
Em Barueri (SP), a rede de fibra ótica iniciada em 2009 com foco em segurança e câmeras de vigilância hoje soma 350 quilômetros e sustenta semáforos inteligentes, wi-fi gratuito, interligação de 193 prédios públicos de serviços como cadastro único do cidadão, aponta Jonatas Randal, coordenador do Centro de Inovação e Tecnologia (CIT), ligado à secretaria de finanças.
“Dubai gastou muito pensando só em tecnologia, mas com ações tão verticais em áreas como mobilidade, segurança e saúde que foi necessário refazer a estratégia”, exemplifica Randal.
A participação do cidadão é outra chave para o sucesso. “A construção de processos colaborativos é fundamental para a adoção da tecnologia nas cidades”, diz Caio Vassão, do grupo de estudos em smart cities da faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
Instrumentos como o plano nacional de IoT, que tem as cidades inteligentes como um de seus pilares, o fundo de segurança pública a ser criado pelo BNDES e PPPs devem ajudar o segmento. Só na iluminação, são perto de 200 projetos em diferentes etapas de desenvolvimento, com casos bem-sucedidos, como o de Belo Horizonte, capital mineira.
Planos integrados pipocam pelo país. Salvador (BA) criou o Salvador 360, programa de desenvolvimento econômico com eixos como simplificação de processos; geração de negócios e empregos; investimentos de R$ 2,8 bilhões em infraestrutura, qualidade de serviços públicos e requalificação urbana; requalificação dos bairros do centro da cidade; cidade inteligente, com captação de fundo de R$ 100 milhões para investimentos em startups e mais de 20 projetos de soluções digitais; estímulo à economia criativa; sustentabilidade; e fortalecimento da economia informal.
As PPPs embasam projetos como Hub Salvador, espaço de co-working voltado a inovação, e iluminação pública, licitação no valor de R$ 1,5 bilhão em 20 anos. “A rede e a plataforma inteligentes vão suportar outras soluções, com exploração de receitas acessórias pela concessionária”, detalha o diretor de PPPs da prefeitura, Gustavo Menezes.
A aprovação de uma lei de inovação municipal, em 2018, fez de Juazeiro do Norte (CE) a primeira cidade brasileira a oficializar plano diretor de tecnologia para cidades inteligentes, com permissão para testes laboratoriais (living lab) e investimentos em startups, mesmo que incipientes.
Licitação de PPP de iluminação deve ser publicada em 2019 e contemplará 25 mil lâmpadas com sensores, telemetria, wi-fi público, perto de 400 câmeras de videomonitoramento, aplicativo para moradores e turistas, sensores de tiro, dez pontos de recarga para veículos elétricos e dez praças auto-sustentáveis com energia limpa, detalha o secretário de desenvolvimento econômico e inovação Michel Araújo. Um projeto piloto já funciona na Praça do Giradouro.
Em Vitória (ES), o prefeito Luciano Rezende (PPS) aposta na tecnologia digital para otimizar recursos e envolver o cidadão. Na saúde, sistemas de agendamento e confirmação de consultas reduziram as filas e os índices de ociosidade, antes em torno de 40%, enquanto a digitalização do sistema de matrículas expôs 1.000 vagas nas escolas, número equivalente a dois centros de educação infantil.
A instalação de 220 pontos de internet livre por rede de fibra óptica conecta cidadãos em áreas sem atendimento pelas teles. Câmeras com reconhecimento de imagem apoiam a segurança e empreendedores tiram alvarás on-line de forma declaratória em algumas horas. Fiscais de meio ambiente e questões sanitárias serão premiados por formalização de exigências e não mais por volume de multas.
“A cidade inteligente usa a tecnologia para fazer mais com menos”, resume Rezende, adepto das redes sociais para comunicação com cidadãos. “Com as redes, é como se cada cidadão fosse uma associação de moradores. Cidades inteligentes mobilizam o cidadão”, complementa Rodrigo Neves Barreto, prefeito de Niterói (PDT), onde a plataforma colaborativa Colab estimula a interação do cidadão com o poder público.
A integração de 40 sistemas e 14 folhas de pagamento na plataforma e-Cidades trouxe inteligência para a gestão municipal e transparência para os cidadãos. Niterói também implantou sistemas de monitoramento, o Centro Integrado de Segurança Pública (CISP e semáforos inteligentes, entre outras iniciativas que fizeram a cidade saltar do 48º para o 6º lugar no ranking Connected Smart Cities, diz o prefeito.
Primeira do ranking, Curitiba (PR) ganhou destaque com o programa Vale do Pinhão. Além da aprovação de lei de inovação, alinham-se projetos como a retomada do Tecno Parque, com redução de 5% para 2% no ISS para empresas de base tecnológica, a transformação de espaços como o Distrito Industrial Rebouças, com laboratório urbano e área para co-working, e hortas urbanas com envolvimento de 950 famílias, exemplifica a presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento, Cris Alessi.
Uso de internet das coisas, serviços por internet ou celular como a rede SIM, que permite abertura de empresas em 48 horas, e o aplicativo Saúde Já, para marcação de consultas, ajudaram a capital paranaense a liderar o ranking este ano.
Em Fortaleza, no Ceará, a criação da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação (Citnova) reforça a intenção de uso de tecnologia e inovação. “Iniciativas em áreas distintas uma vez integradas dão componente de cidade inteligente”, afirma o presidente do organismo Claudio Ricardo de Lima. Exemplos como avanços em mobilidade, com mais de 100 km de faixas exclusivas dedicadas a ônibus este ano, serviços digitais para os cidadãos, portal com dados abertos e o programa CitLab reforçam o conceito.
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