Folha de S. Paulo
Joana Cunha
Enquanto não se resolve o imbróglio da maior PPP da iluminação pública do mundo, em São Paulo –que foi congelada para investigação após suspeita de fraude neste ano–, a prefeitura lançou consulta pública para uma espécie de “contrato-tampão”, mas a iniciativa vem sendo criticada.
Empresas que gostariam de se candidatar a uma reedição da concorrência para prestar o serviço de manutenção da iluminação consideram que o texto da consulta traz exigências difíceis de serem atingidas. A FM Rodrigues, que atualmente presta o serviço, teria mais facilidade de vencer.
Depois que veio a público, em março, uma série de gravações em que Denise Abreu, ex-diretora do Ilume (departamento de iluminação pública), demonstrava preferência pelo consórcio FM Rodrigues/Consladel (que viria a vencer a PPP), a prefeitura limitou o contrato, deixando a vencedora fazer só os serviços essenciais de manutenção.
Em paralelo, em 10 de abril, lançou a consulta pública para fazer um novo edital de concorrência para a manutenção. O texto da consulta ainda pode ser mudado, mas desagradou a potenciais candidatos.
Rodson Lopes, diretor da Engeluz, reconhece que a exigência de qualificação precisa ser alta numa cidade como São Paulo, mas considerou a consulta limitadora. “As qualificações da consulta estão bem restritivas.
“Se o texto for mantido, novos candidatos terão de mostrar atestado de que executaram manutenção em redes de iluminação em pelo menos 250 mil pontos em 12 meses ininterruptos. A exigência é considerada alta até para consórcio.
“Tenho 250 mil pontos, só não sei se atende a cronologia que eles pedem, estamos fazendo contas. Tem de ser em 12 meses. Se somar meus atestados, dá mais de 1 milhão de pontos, mas em anos diferentes”, diz Lopes, cuja empresa atua em mais de 40 cidades.
Maior contrato do país, a cidade de São Paulo tem mais de 600 mil pontos.
Paulo Bellotti, sócio da Ilumitech, com experiência em dez municípios, destaca que a consulta cita execução de serviços de iluminação em túneis, o que, segundo ele, também restringe a concorrência porque há poucas cidades com grandes túneis no Brasil.
“É a típica coisa que colocam só para dificultar. No túnel, a complexidade é a mesma do ponto de vista elétrico, de mão de obra e do produto. Mas, como em São Paulo tem muito túnel, é mais uma coisa que só eles conseguem atingir”, diz.
O empresário também tem a avaliação de que a vigência do contrato, de um ano com possível prorrogação, não viabiliza o investimento em estrutura e pessoal. O esforço é mais coerente se a empresa já presta o serviço.
“Para fazer São Paulo inteira, precisaria de uns 70 caminhões. Os contratos de compra ou aluguel de caminhão são mais longos. O que você faz com tudo isso se não renovar o contrato? Tem que demitir a mão de obra, pagar direito trabalhista”, afirma.
Para Bellotti, a prefeitura deveria fatiar o serviço em lotes menores para facilitar a entrada de mais empresas e não ficar sempre com a mesma. A FM Rodrigues, que ganhou o contrato de R$ 7 bilhões para a PPP neste ano, já vinha levando muitos contratos em São Paulo.
Além de dar um contrato emergencial para a empresa que agora é investigada, a prefeitura prorrogou duas vezes a licitação com a FM, em 2013 e 2015.
O advogado Paulo Leme, um dos autores de uma ação popular que obteve liminar para suspender a PPP após o escândalo — medida depois derrubada –, questiona o processo.
“O princípio da administração é atrair o máximo possível de competidores. Chamam a atenção os itens que limitam esse número de concorrentes e facilitam a vida de quem já presta o serviço”, diz Leme.
Procurada, a FM Rodrigues nega que vai se candidatar. A prefeitura diz que os interessados tiveram prazo para apresentar críticas à consulta e que serão avaliadas para possível incorporação ao edital.
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